segunda-feira, 29 de setembro de 2008

CONSUMO COMO ATO DE SOLIDARIEDADE

por Helio Mattar*

Sinto um completo desalento toda vez que me dou conta da enorme confusão que vive o mundo nos dias de hoje. Parecemos esquecer que, a cada segundo, vivemos um novo e único momento do universo, um momento que nunca antes existiu e que nunca existirá novamente. Parecemos esquecer que vivemos um milagre cotidiano. Tratamos o mundo como se fosse absolutamente evidente, sem mistério.

Glenn Gould, o extraordinário pianista canadense, em uma entrevista na década de 70, apontava para a nossa indiferença cotidiana a esse milagre. Chamava a atenção para o que ensinamos a nossos filhos nas escolas. Ensinamos que dois e dois são quatro e que nossa capital é Brasília. Mas deveríamos também lhes ensinar o que eles de fato são, apontava Gould. Vocês sabem o que vocês são, meu filhos? Vocês são um milagre, uma maravilha! Em todo o mundo não há outro ser exatamente como cada um de vocês! Nos milhões de anos que se passaram e nos milhões de anos que ainda passarão nunca houve e nunca haverá ninguém como cada um de vocês!

A meu ver, se tivéssemos consciência do milagre que somos, talvez deixássemos de subordinar tão fortemente a nossa felicidade aos bens materiais, fugazes e perecíveis, que nos alienam da beleza das pessoas e do mundo, de tudo o que é perene e essencial, nos colocando em uma competição sem fim por um consumo cada vez mais intenso, como se, com isso, pudéssemos criar para nós mesmos uma identidade que nos tornasse diferentes dos nossos semelhantes…

Esta competição coloca em risco a todos os humanos, sem exceção. Na situação atual, em que 1,7 bilhões dos 6,6 bilhões dos habitantes do mundo consomem muito mais do que o necessário, enquanto os demais ou consomem o mínimo necessário ou abaixo desse mínimo, o uso de recursos naturais – ar respirável, água limpa, terras agricultáveis e absorção dos resíduos produzidos pela humanidade – já se encontra em um nível 25% acima do que a Terra é capaz de renovar. E se todos os habitantes do mundo viessem a consumir como os habitantes mais ricos do planeta, precisaríamos de quatro Terras para suprir todo esse consumo, um modelo de produção e consumo, portanto, inviável de ser expandido para toda a humanidade.

De outro lado, tudo o que ocorre no mundo está se tornando cada vez mais interdependente. O aquecimento global é emblemático dessa interdependência, ao levar os seus efeitos perversos a todos os cantos do planeta. Serve para demonstrar, cotidianamente, a correção da frase de Mariana Botta em artigo para a Folha de 26 de dezembro passado, pois “mostra que cada movimento nosso, por menor que seja, estabelece uma relação de causa e conseqüência com a vida de todas as pessoas” mesmo as que não conhecemos ou as que estão muito distante de nós. E serve para nos lembrar que, se a vida no planeta vier a perecer, nenhum de nós terá qualquer privilégio na escolha divina ou na terrena, e pereceremos também.

Nesse sentido, deveria fazer parte da educação mais elementar mostrar que é preciso inverter a lógica perversa da competição pelo consumo e começar a consumir com a consciência voltada para os outros e não apenas para nós mesmos, desta forma tornando o consumo um ato cotidiano de solidariedade.

Pode parecer estranho relacionar consumo e solidariedade. Mas não é solidário o ato de quem economiza os recursos naturais para que não faltem à geração atual e às futuras? Não é solidário o ato de quem busca limitar a emissão de gases de efeito estufa causada pelo seu consumo, para que o planeta não se aqueça ainda mais e as mudanças climáticas, que afetam a todos, não se aprofundem? Não é solidário o ato de quem busca escolher produtos não apenas pela boa qualidade ao menor preço, enfatizando apenas a sua conveniência individual, mas leva em conta as boas ações das empresas produtoras sobre a sociedade e a natureza, e que afetam a todos nós?

O mundo depende da solidariedade para que o viver não se constitua, para ninguém, em um ato de atrevimento. E para que todos possam ter a dignidade de ter algo a perder, não pensando jamais que este algo possa ser a própria vida. Ao repensar o que realmente precisamos, ao reutilizar os produtos até o final de sua vida útil, ao reciclar o que não pode mais ser utilizado, e, especialmente, ao escolher produtos e serviços de empresas mais social e ambientalmente responsáveis, estaremos, voluntária e cotidianamente, levando nossa solidariedade às pessoas e ao planeta por meio de nossos atos de consumo.

Ao consumir com consciência, nos tornamos agentes positivos de transformação, em que cada um estará dando um pouco de si para melhorar o mundo à sua volta, fazendo com que o milagre que somos não seja unicamente uma prova do mistério divino, mas fazendo realizar o divino que temos em nós.

Teremos então consumido solidariamente, com nossa consciência voltada para os outros e não somente para nós mesmos, contribuindo para dar significado a nossas vidas e para reconhecer o privilégio que nos é dado pelo milagre de existir, celebrando a vida e tudo de bom que ela pode trazer a todos nós, apenas passageiros que somos desta extraordinária nave terrena.

*Helio Mattar, 60, é Ph.D. pela Stanford University, foi idealizador, co-fundador e é Diretor Presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente.

Escrito em Dezembro de 2007

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Link original: http://www.ispn.org.br/consumo-como-ato-de-solidariedade

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

APENAS COMÉRCIO JUSTO NÃO BASTA

Problemas estruturais que impedem a produção voltada à alimentação local nunca foram resolvidos dessa forma

por José Antonio Segrelles*

A maior parte das vozes que se fizeram ouvir durante a última reunião da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), em Roma, continuaram insistindo nos mesmos raciocínios de sempre quando falam do campo e da pobreza no planeta, ainda que agora seus argumentos estejam reforçados pelo aumento espetacular dos preços dos alimentos – o qual ameaça com a fome milhões de pessoas do mundo subdesenvolvido.

Tais raciocínios são diferentes de acordo com sua procedência. Os governos dos países dominantes, a agroindústria, as grandes firmas de transformação e distribuição de alimentos e os organismos multilaterais (Organização Mundial do Comércio – OMC, Fundo Monetário Internacional – FMI, Banco Mundial – BM) sustentam que a pobreza dos países subdesenvolvidos seria solucionada se houvesse uma maior liberalização comercial no mundo.

Os governos dos países pobres e algumas ONGs, por sua parte, insistem que os ricos deveriam abandonar a proteção às suas agriculturas, eliminando de uma vez por todas as ajudas e subsídios ao setor agropecuário para evitar, assim, uma concorrência desleal nos mercados internacionais. As intenções de uns e outros são muito diferentes, algumas até boas, ainda que, do meu ponto de vista, sejam igualmente equivocadas e ao final desemboquem na implementação de estratégias e receitas muito parecidas.

Livre mercado

Como aponta o historiador Eric Hobsbawn, imaginar que o comércio internacional livre e sem limitações permitirá que os países pobres se aproximem dos ricos vai contra a experiência histórica e o senso comum. Quem ganha mais e melhor com as aberturas de mercados são as corporações transnacionais de grande distribuição organizada. Inclusive as recentes políticas agrárias da União Européia, que tentam adaptar o setor a um comércio internacional livre de travas aduaneiras e de subsídios agrícolas protecionistas, foram feitas para atender às grandes companhias agroalimentares do continente. E estas não se movem exatamente pela solidariedade e nem pelo altruísmo de um comércio internacional mais justo, mas sim pelo interesse em comprar as matérias-primas que utilizam ou os produtos frescos que vendem ao preço mais baixo possível para negociá-los o mais caro que puderem.

Em qualquer um dos casos, e à luz de experiências concretas, a liberalização comercial que preconizam esses paladinos do livre-comércio implica de fato em prejuízo claro para os pobres dos países ricos, mais precisamente, aos agricultores, em benefício quase exclusivo dos ricos dos países pobres, ou, o que dá no mesmo, a oligarquia latifundiária, a agroindústria e os exportadores mais dinâmicos, sem esquecer, claro, das transnacionais que ali atuam.

Agroexportação

Para conseguir as matérias-primas e os produtos agroalimentares a um preço baixo, essas pujantes corporações, com a conivência de muitos governos locais, fomentam os modelos agroexportadores, baseados em uma monocultura depredadora e empobrecedora que arruína os ecossistemas, a agricultura camponesa e a organização social de muitas comunidades rurais. A distribuição organizada precisa de grandes fornecedores capazes de oferecer enormes quantidades de produtos padronizados, a um preço mínimo e no menor tempo possível, e, por isso, procuram os países subdesenvolvidos, onde a terra e a mão-de-obra são baratas e a legislação ambiental e trabalhista são permissivas.

Além disso, o modelo agroexportador supõe que muitos países dediquem as terras de cultivo aos produtos suscetíveis de serem vendidos nos mercadores exteriores (flores, hortaliças, soja, cítricos, cana-de-açúcar), em detrimento da produção alimentar da população local (trigo, arroz, mandioca, feijão). O mundo desenvolvido cada vez consome mais produtos que vêm de longe e fora da estação correta. Tudo isso provoca enorme êxodo rural e leva a fome e a desnutrição para milhões de seres humanos, assim como uma grande contribuição à poluição e ao aquecimento global.

A questão agroalimentar e as ameaças que pairam sobre ela têm muito que ver com a existência de dois modelos produtivos: a agricultura familiar e camponesa e a agroindústria. Este último é dominante e sua influência afeta o mundo camponês até o ponto de contribuir com sua inviabilidade e conseqüente desaparição. Definitivamente, os problemas que oprimem aos agricultores dos países pobres são muito parecidos com aqueles que devem ser enfrentados pelas famílias dos países ricos.

Luta no campo

Apesar dos eloqüentes discursos e declarações oficiais, os quais tranqüilizam as consciências e ajudam a difundir entre a população mundial a preocupação um tanto cínica de muitos governos e das instituições de Washington (FMI e BM), a realidade demonstra que os alimentos sobem de preço constantemente e que cada vez menos pessoas têm acesso a eles.

Por outro lado, o termo comércio justo encontra-se cheio de confusões e ambigüidades. Existe uma visão tradicional cujo enfoque orienta-se sobre a necessidade dos camponeses dos países pobres venderem seus produtos no exterior como forma para sair do subdesenvolvimento. No entanto, há uma outra maneira mais global e crítica de enfrentar a questão, pois sobram pessoas bem intencionadas que compram um produto de um país subdesenvolvido pensando que assim está apoiando os camponeses desses lugares, quando na verdade está contribuindo para fomentar um modelo produtivo depredador e responsável por grandes impactos ambientais e exclusões sociais em amplas áreas do planeta.

O comércio justo serve para sensibilizar a população, até aqui perfeito, mas os graves problemas estruturais que perseguem os camponeses, impedem a produção agrária voltada à alimentação local e ameaçam a soberania alimentar dos povos nunca foram resolvidos dessa forma.

União internacional

Por mais paradoxo que pareça à primeira vista e contra aquilo que se insiste propagandear nas mais diversas instâncias, a melhor forma de defender os camponeses dos países subdesenvolvidos é proteger os agricultores familiares das nações ricas. Assim, o comércio seria mais eqüitativo, o consumo ganharia em responsabilidade e as grandes transnacionais de distribuição e transformação agroalimentares ficariam impossibilitadas de arruinar uns e outros.

Talvez os países subdesenvolvidos devessem renunciar à miragem da liberalização comercial e da assinatura de tratados de livre-comércio com as nações dominantes e se agruparem em blocos regionais políticos e econômico-mercantis que os possibilitariam defender melhor seus interesses, dando proteção aos seus produtores e camponeses mediante a implementação de uma preferência comercial regional similar à que inspirou a Política Agrícola Comum (PAC) quando foi criada a Comunidade Econômica Européia (CEE), em 1957.

*José Antonio Segrelles, catedrático em geografia humana, é diretor do Grupo Interdisciplinar de Estudos Críticos e da América Latina (Giercryal), na Universidad de Alicante (Espanha).

Brasil de Fato, 11 de setembro de 2008

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

ADIÇÃO DE MANDIOCA AO TRIGO AGUARDA SANÇÃO

Brasília - O projeto de lei da Câmara de autoria do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que autoriza a adição de farinha de mandioca à farinha de trigo e seus derivados adquiridos pelo poder público, foi aprovado no Senado, terça-feira última. De acordo com a proposta, que segue para a sanção presidencial, o percentual de mistura será de 3% no primeiro ano, 6% no segundo e 10% a partir do terceiro.

A farinha de trigo misturada, de acordo com o projeto, será submetida a um regime tributário especial, com reduções de impostos, para estimular a produção e o consumo de farinha de mandioca no país e, ao mesmo tempo, diminuir a forte dependência do trigo. Atualmente, o Brasil importa cerca de 75% do trigo que consome e a mistura pode representar economia de R$ 104 milhões por ano.

Na prática, as prefeituras e os governos estaduais passarão a exigir de seus fornecedores de biscoitos, massas e pães que a farinha de trigo tenha recebido uma parcela de farinha de mandioca. Os moinhos que aceitarem realizar a mistura não pagarão a Cofins e o PIS-Pasep.

[Jornal O Estado do Maranhão, 11 de setembro de 2008, Economia, página 8]

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

EDITAL PARA O FUNDO SOLIDÁRIO

Já está disponível para download o Edital para o Fundo Solidário - Rede Mandioca. Sobre o assunto, trata o nº. 3, edição especial do Boletim Informandioca.

O edital pode ser baixado em pdf (para leitura e preenchimento a mão após impressão) e/ou word (preenchimento eletrônico).

Interessados em concorrer têm até o dia 15 de outubro para o envio dos projetos à Cáritas Brasileira Regional Maranhão, na Rua do Alecrim, 343, Centro, CEP 65.010-040, São Luís/MA.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

BOLETIM INFORMANDIOCA Nº. 2 PARA DOWNLOAD



Acima, imagem da plenária de criação da Rede Mandioca, em Vargem Grande/MA. Essa e outras imagens e outras informações podem ser acessas no nº. 2 do Boletim Informandioca, já disponível on-line. Para baixar e ler, clique aqui.